De repente acordei e me enxerguei numa vida estranha, com
casa, carro, trabalho, marido, dois gatos e uma calma. Ah essa calma...
De vez em quando o caldo ferve lá em casa, ou o leite
derrama, ou eu queimo o assado, as vezes até poco a boca do balão. Mas essa calma... Ah ela não vai embora assim
tão fácil.
Esse “sonho” adulto que faz a gente se desprender de vez
daqueles sonhos loucos da adolescência acaba por fazer a gente perder alguns
amigos no meio do caminho. Perdemos os inconformados com uma vida calma,
aqueles que ainda sonham em conhecer o mundo em um mochilão, também os que suspiram
aliviados com um negativo para Beta HCG, enquanto a gente fica triste pelo
mesmo resultado.
E o que se faz? Se conforma, se convence que pode fazer
muitas coisas, que é jovem, que a gravidez pode esperar, mas secretamente abolimos
a pílula, e começamos a olhar quartos de bebê em vitrines.
E a calma, ah essa calma... Parece que ela vai acompanhar
pra sempre, e que nunca mais seremos pessoas em revolução e que a nossa vida
vai parar a qualquer momento neste ponto.
Isso assusta! E o que me deixa tremendo mesmo é a tal da
perda consciente da essência, em prol de um amadurecimento que nunca saberemos
se foi bom ou ruim, apenas que era necessário e aconteceu.
E o que sempre vou ficar em dúvida é se realmente era hora
pra isso, se não adiantamos demais a vida com medo do amanhã sendo que esse
amanhã sempre será o hoje em algum momento ou quem sabe nunca acontecerá.
Enquanto isso, vamos nos isolando entre pessoas na mesma
situação que a nossa, procurando pertencer, se encaixar, juntos e separados em
algum lugar comum.